Páginas

sexta-feira, 3 de maio de 2019

Estava no carro olhando para a janela para esconder o rosto. eu tentava engolir o choro e falhava miseravelmente nisso. Lembrei de uma vez que fiz exatamente o mesmo por sua culpa. Sempre que engulo o choro, me calo como uma muda, escondo meus sentimentos, eu me lembro de você. Pai, desde um bom tempo eu tento encontrar em você a criança sorridente carregando um cachorro como na foto que uma vez a vó me mostrou. Na caixinha de tesouros das memórias dela tinham outras fotografias e de todos os filhos dela, você era o único que resolveu tirar a foto com um cachorro. Desde então tenho tentado buscar essa criança dentro de você. É por certo que eu te amo. É por certo que você é um ótimo pai. Mas tenho flashes de vários momentos seus que não agradam, que são memórias ruins, que são feridas abertas deixadas de canto, ignoradas, até um certo tipo de momento que todas elas voltam de uma vez. Eu me acostumei em não receber elogios, em saber que o que faço é bom, correto, ético, competente, por mim mesma. Não é só porque você não reconhece, mas porque eu prefiro não te contar muita coisa, porque você consegue encontrar meios de censurar até mesmo o que eu achava que era algo bom. O que me dói é que eu não sei se você me ama, como sempre diz nos momentos de briga para me fazer me sentir mal. Eu não sei o que é o amor para você, na verdade. Você se preocupa, você cuida, você tem medo, você controla, você constrange, você quer impor sempre a sua visão. Você não me conhece, e nem se conhecesse me amaria por isso. Você me ama porque sou sua filha, porque é o seu dever. Você só ama alguém por alguma razão que ache que deva amar.