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quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Eu evito o máximo possível de escrever 
Pois terei que de alguma forma sistematizar tudo o que ando pensando 
Eu evito o máximo que posso de ler 
Como alguém evita comer mais do que consegue digerir 

Eu não quero que me vejam chorar 
Pois não quero ter que explicar os porquês 
Eu não quero conversar 
Porque não saberia nem por onde começar 

Eu estou quase tirando o exército de uma pessoa do campo do neoliberalismo 
Contudo, continuarei tendo os mesmos papos chatos 
Sobre política, popularização, historiografia e educação 
Mas ficarei só 
Respirando e não vivendo 
Pois só se vive quando se sonha
Mas sonhos significam batalhas
E eu cansei de lutar

Não quero amar, 
Não quero ser amado.
Não quero combater, 
Não quero ser soldado.
(Belo Belo, M. Bandeira)

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Escrever dói
É um ato de esforço
É um parto
Sai rasgando
(e, às vezes, sangrando)

Desafia tudo o que é natural
É construção, é imposição,
É colonização, é doutrinação, é civilização

É se afastar de tudo o que é real
É objetivar, sistematizar, codificar

É a base de todo o ocidente
É o que une todo o mundo

É um parâmetro para distinguir,
para elevar pouquíssimos
É para se comunicar, para se expressar
e para impedir a expressão

É uma costura
Cada conjugação, preposição, vírgula
É um ponto
Leva tempo, leva prática
Te faz desmanchar tudo

É usar a linha certa, o tecido certo
É ter a máquina regulada
É regular e controlar seus pensamentos

É se firmar no chão,
Sentar, focar,
Tirar a visão periférica

A revolução se deu ao lado dela
As revoluções não se oporão a ela

Ela junta
(mais rápido do que fazer um hífen)
Ela separa
(te joga para a próxima linha
próximo parágrafo
próxima página
próximo capítulo
próximo livro
próxima vida)
Ou simplesmente te apaga

Te põe no presente
te coloca no passado
numa simples conjugação de verbo,
que estava lá desde o princípio.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Deixa pra lá
A costura, os livros, a pesquisa
A nostalgia, os erros, o amor
A política, a igreja, a periferia
A alimentação, a higiene, a graduação
Deixa pra depois
Bourdieu, Hartog, Sartre, Certeau
A aculturação, a sistematização, a objetivação, a França
A forma escolar de socialização
A religião, a lua, o cigarro, o conhaque
As amizades, os homens, o meu aniversário
Pouco importa
A passagem dos anos
O dia 6, 7
Whatever
(enquanto isso a Europa vai se distanciando da América em minúsculos movimentos)
Deixa pra elá o além mar
Já foi descoberto e revisado
Tanto faz
Tudo o que importa é o nada
O não existir
Quando eu for, quem sabe,
Faça sentido
Um novo sentido
Eu quero cortar o meu cabelo
Até não me reconhecer mais
Talvez a literatura explique
Agora ou depois
Eu nem devia dizer
(eu queria poder dizer e conseguir dizer de fato)
mas laranja mecânica é o melhor filme não visto

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Eu quero me perder da multidão
Eu quero guardar segredos, desvendar mistérios
Quero o baixo, o sussurro, o escondido
Quero o quieto, o acalento, o sereno,
Não incomodar os passarinhos.

Quero as noites escuras, as quatro paredes, o barulho de chuva.
Quero experiências únicas e minúsculas.
Não quero estruturas, nem conjunturas,
quero o corriqueiro, o que se perde com o início da manhã.

Não sou claustrofóbica
Não tenho medo do menor
Mas tenho medo de me perder
No deserto, na floresta, no universo, no mar
Quero chegar perto, quero repousar
Dividir uma rede
Encostar minha cabeça em peito alheio

Viver uma vida não em coletivo
Mas em par
Quero esquecer do resto da população, das porcentagens, das tradições
Quero o novo, o exclusivo, o indivisível,
Eu quero o íntimo, acima de tudo, o íntimo.

sábado, 14 de novembro de 2015

Não me culpem por ser tão dentro de mim, mas quando se está na prisão por tantos anos, o seu próprio interior é o único refúgio.
Mas não posso me enganar achando que as filosofias sobre a vida e as experiências dos homens do passado me libertarão. A minha existência define minha essência. Então não estou mais somente na prisão, eu sou a prisão.
Não posso deixar que passarinhos voem para dentro de minha cela e queiram ficar, fissurados por uma falsa representação de beleza. Eu tenho que deixar eles irem senão, de qualquer forma, eles morrerão ao meu lado. Com o tempo ficam sem cor, sem pena, magros. Mortos vivos. Por mais que eles queiram se amarrar, eles têm que sair, nem que eu tenha que expulsá-los. Eles têm que ser livres, mesmo que a consciência da liberdade demore para aparecer neles. 
Quanto a mim não se preocupem. A melhor forma de gostar é não ter. Talvez os aviste voando por aí pela minha janela quadrada.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Seca

Seca
Objetiva
Grossa
Fria
Marte e Vênus
Em capricórnio

Seca
Magra
Comprida
Minhoca
Sem bunda
Sem peito

Na seca
Sem gozo
Sem sexo
Sem sexo?
Sexo sim: feminino

Jovem
Feminina
Sem jeito
Sem certezas
Sem retórica
Sem pinto
Sem respeito
Sem credibilidade

Seja linda
(Mas não exagere)
Seja gostosa
(Mas não se contente)
Seja extrovertida
(Mas se comporte)
Seja estudiosa
(Mas não se ache inteligente)
Seja educada.
Seja seja seja

Odeio imperativo
Odeio império
Odeio monarquia
Não me chame de princesa
Não me chame de nada
Não diga psiu na rua para mim
Não se dirija a mim na rua
Não estou a venda
Não sou pedaço de carne
Não sou sua
Não sou de ninguém
A não ser que eu queira

sábado, 5 de setembro de 2015

Mal posso esperar o dia em que eu serei livre para adorá-lo
Onde poderei fazer e ser o bem que no fundo anseio, mas rejeito

Onde estarei livre do meu egoísmo, sabedoria própria, orgulho, do tempo
Onde não terei nenhum bloqueio para afirmar minha posição diante de Ti

Onde poderei dizer que verdadeiramente te amo,
já que também amarei a todos os outros

Sem máscara, sem vestes, sem carne.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Céu

Uma vez perguntei ao meu pai como será no céu. Ele falou que acha que terá muitos animais e todos muito dóceis. 
Talvez ele tenha me dado essa resposta para dizer que será bom no céu. Nada melhor para uma criança do que animais. Eu sempre amei os animais, tanto que já quis ser veterinária e bióloga.

Com o passar do tempo fui dando outras profissões como resposta para "o que você quer ser quando crescer?".

O que quero ser quando crescer...
Já não me fazem essa pergunta mais.
Talvez achem que já sou ou que já cresci.

"O que quero ser?"
Já não era?
"Quando crescer?"
E em algum momento paramos de crescer?

No fundo acho que só queria crescer. Se soubesse disso acharia redundante perguntarem o que eu gostaria de ser quando crescesse. Crescer já não basta?

Ainda quero crescer, já estou crescendo (e sendo).
Temo em um dia achar que já cresci e parar de querer aprender.

Ou de que o tempo passe tão depressa que eu não tenha aprendido todos os idiomas, conhecido todas as culturas e lido todos os livros que eu quero e ainda vou querer ler.

Se eu fosse perguntar para alguém, hoje, como será no céu, eu esperaria que me respondessem: um lugar onde se aprenderá para sempre e com as melhores companhias.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Sou construção

Sou o que sou,
o que fui
e o que serei

Eu sou minha história
que faz parte da história

Sou o meu país
com sua geografia,
história e política

Sou meus ascendentes
Sou a criação dos meus pais
e a criação que meus pais tiveram

Sou as alegrias da infância
e as rupturas da adolescência

A mudança de todos os dias
e a decisão de não mudar às vezes

Tudo o que eu sou
depende do dia,
do clima, da companhia
Do lugar, do ar, do mar

Sou uma árvore de várias sementes
Uma folha caída, jogada ao vento
que não tem asas, mas se ficar de boa
pode voar

Pássaros

Então eu precisei entrar na pequena lavanderia do apartamento onde morei durante minha infância. A janela, a única do lar que não tinha grade, estava aberta e o dia estava feio e escuro. 
Entre as coisas velhas e abandonadas no frio e na escuridão, eis que me deparo com meu passarinho...
Meu pássaro?! Meus pássaros?! Meu Deus! Meus pássaros! Como pude me esquecer! Meu Deus, olha o estado deles! Como podem estar vivos?! Meu Deus! Sou uma pessoa terrível! Mal me lembro da última vez que os vi, que os alimentei!
Calopsitas, papagaios e outras raças que não conheço. Todos depenados, descoloridos, desnutridos, com a validade mais que vencida! Velhos, estragados! E quanto mais eu olhava, mais pássaros via.
Como se já não bastasse o estado moribundo que se encontravam, suas patas estavam amarradas nas gaiolas, daquelas que não são completamente fechadas.
A única coisa que consegui pensar em fazer foi desamarrá-los o mais rápido possível! Um por um, rapidamente! Eles precisavam sair dali! Já tinham esperado e se agonizado demais!
Enquanto eles se soltavam e alçavam voo, para longe de mim, minha culpa ia se aliviando e eu ia entrando em êxtase pela liberdade que finalmente os proporcionava. 
Alguns, porém, insistiram em voar de volta para suas gaiolas.

terça-feira, 9 de junho de 2015


Sempre questionei a existência do presente como se não houvessem medidas temporais humanas capazes de medi-lo, de alcançá-lo.
"É agora?" "Não, já foi, é passado".
Porém é o futuro que está se mostrando incógnito. Sempre no "está chegando", mas nunca chega.
"Quando isso acontecer, eu serei feliz"
Assim adio minha liberdade, encontrando no futuro a minha morada.
Mas tudo fica sempre na mesma, como um eterno presente.
Onde é que se assina
a carta de alforria
Como é que se negocia
a saída efetiva
dessa torre maciça

Não quero ser protegida
Não quero ser socorrida
Quero só a vida
falar e ser ouvida

Sair, assim, pela saída
sem nenhuma infantaria
só eu, como uma guria
De maneira feminina

sexta-feira, 5 de junho de 2015

A minha vida inteira procurei demonstrações de amor, vindas de mim inclusive, e, de repente, cansei de todas que me apareceram! (e das que não apareceram também).
Não sou conservadora, nem liberal, nem socialista, nem comunista, nem crente, nem descrente. Por todas as correntes que corri, no fim, queria enforcar a todos que me rondavam com elas.
Quanto mais eu penso, mais me sinto beirando à loucura, mais eu sinto que não sou capaz de suportar nem as minhas dores, quem dirá as dores do mundo.
Achava meus braços curtos, hoje nem sei se eles sequer existem!
Mas continuo querendo pensar, saber. Quero que me expliquem gírias, piadas, o mal do mundo, o início do mundo, quero saber as suas angústias mais profundas, todas as suas experiências, todas, repito: todas! As mais fúteis, as mais boçais, aquelas cotidianas, que você não divide com ninguém.
Quero saber sem ter que opinar, sem ter que tirar conclusões. Cansei de tentar encontrar soluções para todas as pessoas do mundo que eu nunca vou conseguir conhecer, nem as mais próximas, pela minha não desejada e tão criticada timidez.
E foi num dia, totalmente desacreditada, totalmente desgastada, totalmente quebrada, com meus sonhos e todas as utopias juvenis lançadas ao espaço que eu senti que nenhuma demonstração de amor pode vir do ser humano, mas as demonstrações de amor podem vir pelo ser humano enquanto criação divina.
A natureza, o tempo real, a concretude das coisas e não as abstrações vindas da idade e ciências modernas.
Não, assim como já observou homem mais ridículo, segundo o pensamento limitado dos que se acham racionais:  a consciência da vida não é viver! A consciência da felicidade não é felicidade!
Quero tentar viver pura e simplesmente, sem tentar encontrar nenhuma caixa para caber, sem me limitar num universo tão gigantesco, obra de arte do poderoso, que só por ser Deus para continuar me amando, amando a todos nós: metidos a gênios, metidos a entendedores, metidos a sentimentais, metidos a amantes!

sábado, 25 de abril de 2015

Para crentes

Procurando um poeta
Que imprimisse em suas folhas
As mais fundas angústias
De sua alma
De minha alma
Para que eu me identificasse
Com pelo menos algo
Nesse mundo corrompido
Onde não há um só justo
Nem quem procure o bem

Porque eu não sou capaz
Já tentei e tento de novo
Nesse poema torto feito eu
Que mal começou a caminhada
E, por ter sua juventude
(Junto com todas as utopias)
Cada vez mais esmagada,
Quer desistir e partir
Para um lugar melhor
Onde poderá se identificar
Com o único digno
De ser admirado  

quarta-feira, 11 de março de 2015

Poema contemporâneo

A dor do mundo é crônica
prosa, poema, verso, rima
notícia

A dor do mundo é crônica
não cessa, não finda
é infinita

O que podemos fazer?
Descrevê-la? Exibi-la?
E isso importa? E isso é útil?

A dor do mundo é tão alta
que deixou todos surdos
A dor do mundo é tão clara
que deixou todos cegos
A dor do mundo é tão forte
que esmagou os corações
A dor do mundo é tão tangível
que deixou todos insensíveis

Por mais que toda a sensibilidade
dos maiores poetas se juntem
não será possível sequer formar um braço
para abraçá-la

Nossos braços tem comprimento
as dores do mundo não

Mas não esquecê-la
talvez conforte os corações
de quem sofre

de peso na consciência.

Chico

O Chico não precisa falar
nem latir
seus olhinhos falam por si

No entanto
como late esse cachorro!
Num desespero de ser notado
de estar presente a todo momento
de não ser esquecido

Pula alto e corre
sem olhar para trás
Pega o que não lhe pertence
e não se importa
e corre, corre, corre

Não sei o que faria
se fosse um dia liberado
para correr mundo afora

Mas tendo a acreditar
que voltaria
nem que fosse pra me fitar mais uma vez
e dizer coisas indecifráveis
pelo seu olhar