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segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Deixei esse poema de lado, descansando, crescendo, conforme o seu tempo. Adubando, respirando, fazendo fotossíntese, criando sua linguagem. Digerindo-se, encontrando-se, perdendo-se, se necessário. Eu não o esqueci, mas o deixei tomar sua forma por si só. Dei espaço, dei tempo, dei autonomia. Quando me dei conta já tinha criado pés, mãos, braços e pernas. Já não tem versos, já não tem rima, não sei mais o que é. Formou seu próprio rosto, sua própria identidade, seu próprio corpo. Tem gírias, tem cheiros, tem dentes que me mastigam e me devoram, mas não me digerem e me fazem voltar. Me rumina, me domina. Me coloca onde bem entender, faz de mim o que quiser. Não sei se sou vítima, se sou culpada, se sou estúpida, mas fico porque quero. Ou porque ele me faz querer ficar.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Todas as músicas que ouvi, todos os poemas que li, todas as peças que assisti. Tudo o que sei, tudo o que aprendi, tudo o que vou descobrir. Tudo o que planejei, tudo o que vivi, todos os caminhos que escolhi traçar. Todos os acasos, tudo o que escapou do meu controle, todos os passos às cegas. Todos os meus avanços, todas as minhas dificuldades, todos os meus interesses. Todas minhas paradas, todos meus devaneios, todos os meus descansos Tudo o que conversei, tudo o que pesquisei, tudo o que concordei. Tudo o que rejeitei, tudo o que me esquivei, tudo o que detestei. Todos os meus anseios, todas as minhas vontades, toda a minha vocação. Tudo me levou a você, tudo me leva a você e tudo continuará me levando a você.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Acho que um dia posso enlouquecer. A loucura me parece uma consequência quase inerente a uma existência quase que fundamentada pela busca dos sentidos que já foram ou ainda estão esperando para serem descobertos. 
Ora, eu creio que no fundo nem tudo tem uma explicação, mas essa afirmação me soa mais como desafio do que consolo.
Então a cada inquietação meu corpo entra em tensão e perturbado pula nas águas profundas como se buscasse no fundo do oceano respostas de todas minhas perguntas.
Mas aí você me apareceu. De início pareceu um reflexo, uma ilusão, que aos poucos foi ficando nítido. Eu não sei de onde, não sei quando, não sei como. Mas você veio. Talvez da superfície, me estendendo a mão e me convidando a respirar (inspirar e expirar). E desde então não consigo desviar meus olhos de você pelo puro prazer que isso faz a eles e ao meu coração. Coração que é sim um órgão, mas que no sentido figurado e totalmente abstrato abriga minhas emoções novas ou resignificadas tendo somente você como premissa e referência.
Eu tenho meus motivos, claro, uma vez que fazer análises e montar argumentos é um caminho quase que sem volta para os que já se iniciaram de alguma forma nas ciências. Mas o cerne da questão é que eu deixo de lado todas minhas teorias, perguntas e questionamentos para te olhar, te sentir, te tocar. Eu aceito, eu vivo, eu agradeço a soberania divina por ter feito nossos caminhos se cruzarem. Nada mais importa quando você me abraça e assim acalma minha mente ansiosa que fica serena ao encontrar seu corpo.  
Mas, se mesmo assim, a loucura um dia chegar a mim, se ela bater a porta, se eu for obrigada a mergulhar de cabeça nela, você poderia me acompanhar? Porque, desculpas, mas não posso me imaginar sem você em qualquer coisa que for me acontecer.

/ loucura é ficar sem você

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Dada a inclinação da Terra, por um fenômeno astronômico raro, há meses só era noite em meu quarto. Eu gostei, me acostumei e estava bem com isso. Via como natural: a vida se consiste por fases. O que não espera eram os fechos de luz que, através de pequenas frestas da minha janela, timidamente começaram a entrar em meu ambiente reservado. Isso não me causou náuseas, raiva ou mau humor. Nem fez meus olhos arderem ou se fecharem. Apenas me causou curiosidade até que, em um processo razoável de tempo, me senti confortável em aos poucos abrir a janela para descobrir o que se escondia do lado de fora. Como se a luz quisesse ser gentil, não entrou bruscamente sobre meu quarto sombrio. Como se soubesse lidar comigo, esperou. Respirei e senti que com a claridade também vinha a brisa. E numa ânsia e súbita paixão desejei ser invadida em cada parte do meu corpo pelo brilho que combinou tão bem com minha pele agora aquecida, como se eu tivesse passado a morar em um abraço.

/ Loukanós

terça-feira, 21 de junho de 2016

De manhã, sai da minha casa que estava sombria. Na rua, o ar entrou facilmente em minhas narinas. Ao meu lado, uma senhora consegue aquecer os seus pés. A minha frente, o bebê da moça cresce imperceptivelmente a cada minuto. Fora do ônibus, um cãozinho dá quinze voltas em torno de si mesmo. Em algum lugar, você tranquilamente respira e pensa, quem sabe, em mim. No segundo dia do inverno, meu coração se aquece.
Meus irmãos, a vida é bonita, a morte não é natural e já está vencida.

/ segundo dia do inverno

terça-feira, 31 de maio de 2016

Não entre

Eu deveria ter vergonha de te dizer que não arrumo meu quarto tem uns meses. Deixei no canto coisas para fazer em alguma data não prevista ainda, mas que certamente chegará mais cedo ou mais tarde. Meus cachorros continuam latindo pela manhã (e pela tarde, e pela noite...) e você se incomodaria, eu sei. Meu pai continua o mesmo e não há revolução que o mude. Talvez se você entrasse em casa agora eu não teria o que te servir, o banheiro estaria sem toalhas para você secar as suas mãos, os lençóis, muito velhos, mal caberiam nos atuais colchões, embora não sejam tão novos assim. Provavelmente teria pó nos móveis da sala que eu não tive tempo de tirar e a internet teria grandes chances de não estar funcionando. Eu deveria me envergonhar, eu deveria me incomodar, eu deveria me preocupar. Mas sabe o que é? Eu estou bem sem te receber. Eu estou bem em não estar preparada para você chegar, em somente me receber e me hospedar. Eu não preciso provar nada para mim mesma. Eu sei onde ficam os cobertores e sei que provavelmente eles estão com cheiro de guardado, mas eu não ligo. Eu sei que estou conquistando o que sempre quis, eu sei que cada vez mais consigo ler mais clássicos, consigo falar mais idiomas, consigo encontrar as roupas que tem a ver comigo, consigo dominar certos assuntos. E eu não preciso te contar isso e esperar que você me veja como alguém grandinha para o acompanhar. Não preciso da sua estrelinha. Também sei que poderia estar mais próxima de Deus, que posso virar uma acadêmica solitária, que preciso me socializar mais. Mas, bom, o peso das minhas escolhas eu consigo aguentar e não preciso que você me aponte o que está errado em mim em alguma discussão na qual, para vencer no debate, você exporia minhas feridas. Então não precisa bater à porta, não precisa criar esperanças ou desejos em relação a mim. Eu consigo me sentir acolhida em minha própria bagunça e não preciso fingir ou me esforçar em ser alguém bom o suficiente para você, até porque isso eu sempre fui, muito facilmente inclusive.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

O amor como eu pensei não existe
é uma falsa representação da realidade
é uma idealização minha
é uma tentativa de materialização de outrém

Não é compartilhado
Não é eterno
Não é libertador

O único amor é
simplesmente é
sempre foi e sempre será

O universo é maior que o homem
e ninguém é obra de um só alguém
somente somos criaturas do único criador
portanto,
se existo e minha existência é assim
não é devido a alguém
é somente por causa do eu sou

sábado, 30 de abril de 2016

now it's alright
then, we are a lie
our old love died
and if you write
i'll tell you what
it's been inside
of my free mind
an opinion of mine
i won't say twice

in vain i tried
my heart was tight
now i realized
that i was blind
but i will not cry
'cause i'm alive
so full of life
so fucking fine
ready to restart

segunda-feira, 21 de março de 2016

Ao homem e mulher foi dada uma nova chance. E puros, felizes, nus, um só, comemoravam o não pecar. Mas longe, em terras tropicais, o fruto os encarava e os lembrava: "vós não comestes-me, vós não comestes-me, vós não comestes-me... ".

terça-feira, 8 de março de 2016

Você me penetrou
Devagar
Com carinho
Com paciência
Foi manso
Foi amoroso

Você me penetrou
Fundo
Com muita força
Com muita agilidade
Foi intenso
Foi com tudo

Quando você saiu
Me deixou com dor
Sangrando
Demorei pra me recuperar

Você tirou minha virgindade
Mas meu hímen ficou intacto
Embora tenhamos feito amor
Nós nunca fizemos sexo

/não há proteção para o amor

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Então ela decidiu mudar, ir para um país diferente, onde quase ninguém falasse o seu idioma. Onde pudesse circular livremente, sem lembranças que a esmagassem. Onde as ruas não tivessem sido pisadas pela primeira vez com ele. Onde os autores não tivessem sido conhecidos pela primeira vez com ele ("se pronuncia sarrrtre"). Onde não houvessem alimentos que ela aprendeu a comer com ele. Onde as músicas não lembrassem ele. Onde as pessoas não perguntassem dele. Onde ela não sentisse a necessidade de falar sobre ele e com ele. Onde ela pudesse reacreditar no amor sem pensar em tristeza, renúncia e sacrifício. Onde ela pudesse ser amiga do rei, ter o homem que quisesse, na cama que escolhesse.
A lua cheia
Vem cheia
De confusão
De passado
De saudade
De brilho
E acorda amores adormecidos

/horóscopo
A poesia não é universal, mas os sentimentos dos homem que nela se refletem talvez sejam. Entretanto não acho que encontrarei algum poema que expresse o que senti naquela vez em que você me apareceu, com sentimentos proibidos e passos tímidos, e me entregou o livro de capa amarela.
Ninguém precisa me ler, ninguém precisa me entender. Eu é que preciso escrever sobre a libertinagem em potência que morreu na minha adolescência.
Eu sei bem quem sou e sei que posso mudar em constante. Eu sei bem que você se foi e sei que seu livro vai ficar pra sempre na minha estante.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Eu não sabia o que fazer
No primeiro dia em que te vi
Sem termos que nos conter
Por impulso, então, te dei um beijo

Eu não sabia o que fazer
Quando em lágrimas nos despedimos
Sem saber se seria para sempre
O que fiz, então, foi te beijar

Eu ainda não sei o que fazer
Nem o jeito certo de agir
Mas sei que não posso te beijar
Como eu já fiz

A vida exige maturidade
Resoluções racionais e realistas
Que eu seja adulta
E tome decisões como tal

Que eu acredite na razão,
ou numa cosmovisão definida
Em pessoas mais velhas
Ou naquelas com o olhar exterior

Mas em relação a tudo isso
E ao meu amor pueril
Que como um rio
seca mas não morre

Que me marcou, me tatuou
Me afogou, me embebedou
me arrancou pedaços
Irreversíveis de serem postos no lugar

Que me fez acreditar
E num outro extremo
Ser cruel, fria
E perder a esperança

Certa das decisões tomadas
Mas com sentimentos indevidos
Impedida de me entregar novamente
E de (querer) esquecer o passado

Bom, continuo sem saber como agir...

/Irene

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Se você pudesse olhar para mim
Olhar para mim, mesmo
De verdade
Bem de perto
A olho nu
Veria que não tenho mais dezesseis
Mas que também não tenho sessenta
Veria que estou só
Mas que aqui dentro não há falta
Veria que tenho memórias
Mas não deixo de lado o meu presente
Veria que não estou morrendo
Nem caçando migalhas
Mas que, pelo contrário,
Sou chama viva
Sou possibilidades
Sou juvenilidade
Sou liberdade
Sou, também, futuro

Veria que minha ambição
Não passa por cima de ninguém
Veria que tenho medo de magoar
Enquanto passam por cima de mim
Veria que sou pacífica
E por isso engulo muitos sapos
Veria que meu senso de justiça
Condena não só a mim mesma

Mas você não pode me ver
Nem ninguém pode
Mas a ciência faz isso:
Faz-nos achar que conhecemos
Só porque lemos

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Nunca fico bêbada
nunca nem bebo
Mas decidi, para variar,
ser um pouco adolescente

Não era para ser pouco
era para extrapolar
era para tacar merda no ventilador mesmo
era para esquecer quem eu sou
e dos outros
era para esquecer a culpa
a sensação de ser observada,
vigiada e controlada

Bebi, dancei, tirei a roupa
peguei um carro
corri para mais de 150km/h
gritava e gritava palavrão
porra, cassete, caralho, foda-se, buceta
pa-ra-le-le-pí-pe-do
e depois quando meu repertório acabou
dei para falar comigo mesma
falava do que estava no mais fundo da minha alma
e num momento seguinte falava sobre desenhos animados

e a lei seca?
me desculpe, seca?
não estou seca
nem me lembro de estar seca
não sei o que é estar seca
nunca ouvi essa palavra
tudo o que tem dentro de mim são águas
e águas
correntes correndo
e batendo em pedras
formando explosões
de puro tesão
nossa, que tesão!
meu corpo estremecia
se aquecia
tinha espasmos
movimentos involuntários e voluntários
uma chama vinha de dentro
e subia
como um vômito

Vômito...

Depois da breve ressaca
fiquei sóbria demais
cética demais
seca demais
cruel demais
e me esqueci de tudo

Pessado

O tempo é meu amigo
E o passado uma morada segura
Posso amar novamente
Posso nunca mais ser amada
Mas o passado não vai mudar

Pode tirar tudo de mim
Mas minhas lembranças ficam.
E nenhum atentado, ceticismo
ou totalitarismo as apagarão

Você pode me odiar
Eu posso nunca mais te ver
Mas você não me esquecerá
E eu terei um pedaço vivo,
Pulsante, radiante e ardente
de você em mim

Você está e é toda poesia que me circunda
Um verso seu, um verso meu
Uma frase gravada na memória
Uma ideia filosófica
Uma ação militante
Uma fotografia não revelada
Um ponto no meio da cidade
Um desejo dentro de mim

E esses sentimentos, estáticos ou crescentes,
Existem porque já existiram
E não se muda o passado
O que aconteceu já está na história
É um fato bruto
E isso ninguém vai mudar
Nem mesmo você,
nem mesmo eu.

O presente pouco importa
Porque nem sequer existe
O futuro incógnito
Não deve ser mais que um horizonte móvel
Infinito de possibilidades
Mas que também não existem ainda

E o que existe é tão somente
O que existiu
O que se palpou
O que se sentiu
Eu te amei
E por isso te amo
E tudo o que disse era verdade
Contextos póstumos não apagam
Nem se sobrepõem aos anteriores

A verdade é o passado
Única certeza que temos
Nesse mundo caduco
De aceleradas transformações
Onde o único abrigo
É o que passou
e o que continua