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terça-feira, 28 de novembro de 2017

Sobre momentos mal digeridos

Um dia estávamos nós, novos namorados, a beira da praia. A praia não era lá aquelas coisas, não mesmo, mas para uma mente que às vezes se vê como romântica bastava. Era praia, enfim: tinha areia, mar, bichinhos assutadores cavando terra a dentro,  e outros ainda mais assustadores nadando pelas águas. O dia foi bom, os dias já estavam sendo bons. Eu te vendo o dia todo sabendo que assim seria por mais um tempo. Mas sim, estávamos a beira-mar. Tínhamos dado uma corrida para o lado da praia que tinha menos gente, como se isso fosse possível para aquela praia. Você estava falando sobre nós, sobre como se sentia em relação a mim. Como casais recentes fazem eu tentei completar uma frase que você não sabia como continuar. O tempo estava tão solar, eu, você, olho a olho, mão sobre mão. Falei com toda o semblante de alguém que sabe o que diz que eu te completava e vice-versa. Afinal, paixão demanda frases assim, não é? Você conseguiu jogar um balde com água mais fria que as águas do mesmo mar em terras além-mar que não era isso, não mesmo. Eu transparente que sou, e não estou falando baseada só pela minha cor de pele, sinalizei tão sutilmente como aqueles sinalizadores de filmes sobre náufragos podem ser, que não tinha gostado da resposta. Com toda a minha dificuldade de falar sobre como me sinto, consegui afinal falar o quanto você tinha quebrado o clima, embora eu tenha concordado com a sua justificativa, embora ainda achasse que as pessoas tenham que dizer de vez em quando umas frases apenas porque são bonitinhas, embora eu não seja exatamente uma pessoa fofa, embora as pessoas achem que sou a julgar pela minha aparência. Com toda minha habilidade de fugir de assuntos embaraçosos propus que voltássemos correndo. Mesmo geralmente não aguentando nem 30 segundos de corrida, consegui correr o mais rápido possível daquela situação. Lembro que por essa e outras, escrevi um poema que nunca mostrei para ninguém, como de costume, sobre uma poesia que talvez você gostasse. Ela falava mais ou menos sobre como eu poderia viver muito bem sem ter te conhecido, como eu no fundo não preciso de você agora, sobre a real incerteza de nós sermos o amor de cada respectiva vida, sobre como não somos daqui até a eternidade, porque afinal quem sabe por certo como é a eternidade? Não sei exatamente porque estou escrevendo isso agora, talvez porque o momento tenha passado e talvez porque eu agora esteja vendo o lado bom de você ser tão racional às vezes, mesmo que essa característica tenha me impedido de escrever muito sobre você e mais ainda de ter te mostrado as coisas que escrevo. A verdade é que não me vejo mais na maioria dos meus textos e não quero mais escrever coisas só por escrever, porque são "poéticas", porque dizem coisas sobre o que acho que o amor é. Já me enganei algumas várias vezes, sabe. Não quero um amor que traz morte, como em Shakespeare, ou com o amor que a indústria cultural quer nos definir e enfiar goela acima, ou um amor que é arma para os manipuladores. Não quero descobrir sobre nós em uma música ou poema já prontos, não quero que o que eu escreva seja maior do que nós somos. Quero, e sei que é o que você quer também, é descobrir sobre o amor que é de fato maior que nós, aquele que em verdade nos completa por inteiro, aquele que fez você superar quando achava que uma pessoa que te completava se foi, aquele que me fez sacrificar a experiência mais intensa que tive sobre o que eu achava que era o amor. Eu e você sabemos que nós somos bem menores e que se for da vontade do amor a gente vai se separar e se for da vontade do amor a gente vai continuar. Isso me traz paz, isso me traz tranquilidade, assim como observar o mar e saber quem o controla.

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